Grãos


GRÃOS

Convido você a conhecer, através da fotografia, 
outras paisagens;
paisagens existentes nas areias banhadas pelo mar.
 
O que o mar provoca, constrói e comunica
através de seu encontro com a areia?


Quero falar um pouco do meu envolvimento com o mar e do significado deste trabalho fotográfico que venho desenvolvendo há algum tempo. 
 Quando criança, fui morar em uma casa tão perto do mar que o quintal se juntava à praia. Era lindo! Bastavam alguns passos e eu estava lá fazendo parte daquela imensidão. Encantava-me cada vez que, com os pés desnudos, sentia a textura refrescante e macia daquela areia, onde eu rabiscava como se ali fosse meu primeiro caderno, onde eu podia aprender alguma coisa, expressar alguns sentimentos confusos, desenhar flores, pessoas, o sol... construir castelos...


 E nesse lugar mágico eu caminhava, corria, abraçava o vento e dançava com a melodia do borbulhar das ondas que iam e vinham continuamente. Sentia que eu era parte daquele mundo, um mundo que não estava distante ou inatingível. Eu era tudo aquilo, tudo aquilo era eu. Juntos, éramos a vida.


Penso que foi assim que conheci a liberdade.


Há, o mar... mar de riquezas inesgotáveis, de onde o pescador sustenta gerações com o alimento que traz de suas profundezas. Na arte, em formas diversas, ele é abundantemente reverenciado: na fotografia, na pintura, na música... Escritores e escultores se expressam tendo o mar como fonte inspiradora. Nas telas do cinema, lá estão histórias incríveis com esse protagonista. Artesãos colhem do mar o material para a produção de seu trabalho. E quantas pessoas se preparam embaladas pelo sonho do primeiro encontro com o mar e outras que apenas sonham...




Eu continuo a me encontrar com o mar em busca de algo. Explicar com exatidão o que busco e o que encontro é complexo, porém, posso dizer que são descobertas maravilhosas e sentimentos novos que alimentam o meu viver. Quando vou em sua direção, antes mesmo de vê-lo,  sinto seu cheiro suave trazido pelo vento. Poucos passos depois, já posso vislumbrar todo aquele mundo de imponente beleza. Ao tocar com meus pés descalços a areia, tudo vai se transformando dentro de mim. Sinto gratidão e contentamento por mais uma vez estar ali. Aprecio o mar em todos os momentos. Não importa se ele amanhece banhado pela luz do sol ou se está com suas águas cinzentas pelo tempo nublado ou chuvoso. Cada forma de beleza é única e merecedora de contemplação.



O mesmo mar que um dia me fez conhecer a liberdade, também me ensinou que para ser livre é necessário respeitar os limites. Ele ensina com sabedoria que é preciso às vezes parar; e investigar um pouco mais sobre o rumo que devemos seguir.








É sublime observar a magia dos grãos de areia, que ao serem tocados pelo movimento das águas do mar, tornam-se esplendorosas obras de arte, silenciosas e sábias paisagens que fazem transcender... Na vida, os movimentos também acontecem de maneira sábia e quase sempre silenciosa, revelando-nos uma obra de arte a ser contemplada.

Nesse caminhar, é preciso que nossos sentidos estejam em sintonia com a pureza da simplicidade, abertos a um estado de alegria e paz, colhendo com essa experiência descobertas de grande valia para nossa vida. Adquirimos nesse processo um conhecimento mais transparente, revelando-nos possibilidades surpreendentes e intermináveis...

Acredito que somos mais do que um corpo revestido pela textura da pele, assim como a textura da areia da praia, onde se guardam tantos mistérios; ambas as texturas são transformadas pelo movimento do tempo, que ocorre de forma lenta e contínua, escrevendo sobre elas as marcas que contam uma história.




A intenção deste trabalho fotográfico, GRÃOS, é um
 convite à percepção, uma proposta para se indagar
 sobre o que está além da superfície, observando
 cuidadosamente o que os nossos olhos nos mostram,
o que a nossa interioridade quer nos dizer.

O conteúdo das fotografias não foi por mim criado.
São imagens formadas naturalmente com o movimento
 do ir e vir das ondas sobre a areia da praia, em período
de maré baixa, com variações de luz e sombra em
dias e horários diversos.

Em cada momento, uma nova imagem. Única. As
águas que tecem as imagens na areia são as mesmas
que irão desfazê-las, recomeçando o ciclo e criando
novas paisagens...

Após cada trabalho realizado, sempre é forte a
expectativa de ter as imagens reveladas, pois apesar
de poder vê-las formadas na areia enquanto eu as
registro, é surpreendente apreciá-las em fotografia.

No início desse trabalho eu registrava principalmente
os desenhos indefinidos e as formas mais abstratas.
Às vezes, eu tinha a impressão de estar em outro
mundo, no qual, aquelas paisagens eram singulares,
diferentes de tudo que até então eu conhecera.
Eram Outras Paisagens, paisagens feitas de grãos
de areia da praia.








Certa vez quando eu estava fotografando, uma imagem me impressionou profundamente, depois de revelada em papel fotográfico. Em minha interpretação pessoal, parecia uma escultura de bronze criada na antiguidade.
 A partir desta imagem, eu comecei a buscar, e a encontrar, além do indefinido e do abstrato, imagens que lembram formas figurativas diversas.











Em um dos momentos mais inesquecíveis, eu me vi diante de uma das cenas mais fantásticas, indescritivelmente bela, que se assemelhava ao perfil de uma mulher com ar sereno, cabelos compridos e presos, usando uma vestimenta longa e tendo a cabeça levemente inclinada, parecendo observar, quem sabe, alguma paisagem...
Era quase inalcançável, pois restavam apenas duas fotografias para o filme terminar, enquanto a maré rapidamente enchia e as ondas começavam a desfazê-la.



Cada imagem, para mim, representa algo que está além das explicações que eu possa tentar fazer. É uma dádiva a oportunidade de poder fotografá-las.
   





Com os olhos físicos podemos ver muito, mas não enxergamos tudo. Se olhamos para o mundo de forma limitada, vemos apenas a superficialidade.
Quando, através do desenvolvimento da percepção, despertamos o olhar que vem de dentro, podemos descobrir que não é preciso ir muito longe para encontrarmos valiosos tesouros.
Todas as coisas têm seu próprio valor, basta enxergá-las com a luz que vem de dentro de cada um de nós.
Podemos criar infinitamente e transformar aquilo que pode parecer comum e sem importância em arte...
Proponho, enfim, uma saudação à arte de viver.
  

Texto e fotografia: Regina Serapião


11 comentários:

  1. É incrivel o que vc consegue captar de imagens. Só mesmo uma sensibilidade além do comum. É or e desafiante para a imaginação porque acho que cada um também tem uma impressão muito particular à partir do seu olhar. É encantador, parabéns, Fátima.

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  2. Ontem mesmo passeei nos lugares onde você fotografa. E, lembrando a sua técnica de fotografar essa areia, penso na praia como um todo e em cada pedacinho de areia que sempre muda a cada vez que a onda bate. Seremos nós capazes de perceber o quanto, que a cada minuto, a vida nos faz mudar, como a areia da praia? Espero que sim. Lindo o seu trabalho, minha eterna amiga!

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  3. eu gostei muito da quela do mar de areia violento e as santas ou fraras
    e deste fundo.

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  4. Não sei se gostei mais das fotos ou da forma como você as descreveu. Foi muito parecida a sensação que senti quando fiz minhas primeiras fotos em PIUMA - ES: e o que me entristeceu no momento que vi revelada as fotos foi não ter dinheiro suficiente para voltar ao local e dar asas a imaginação e liberdade ao de do no disparador. Já programei voltar com uma digital, mas até agora não deu certo, alguma coisa está acontecendo em outro plano que não deixa acontecer. Mas uma hora vasi dar certo, tenho certeza.
    Parabéns por tão belas imagens e história e por compartilhá-las com tanto desprendimento.
    Abraços

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  5. Este blog mostra o quanto de sabedoria ainda nos falta para simplesmente contemplar e amar as criações de Deus. É algo tão profundo que Freud não tentaria explicar, e sim contemplar. 1º CICLO DE PSICOLOGIA DA SERRA - Avelino

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  6. Sem dúvida, estas fotografias são extraordinárias, á primeira vista até parecem fotos tiradas ao deserto a partir do espaço. Meus parabéns, continua.

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    1. Essas fotografias são bem antigas, os negativos estavam bem comprometidos...deu para salvar algumas. Na página Outros Grãos, todas são mais recentes, feitas com máquina digital. Fiquei alegre com seu comentário!

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  7. BELÍSSIMO TRABALHO! RARISSIMAS VEZES VI ALGUEM COLOCAR SENTIMENTO E PROFISSIONALISMO, EM FORMA DE PROFUNDA SENSIBILIDADE E BELEZA!

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    1. Não sei se voce é um ANJO...seu comentário chegou como uma LUZ...LUZ que preciso para seguir... A Arte mexe com os sentimentos mais profundos,e lidar com SENTIMENTOS é de total complexidade...OBRIGADA!!!

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  8. Regina, que beleza essa sua cumplicidade com o mar, com a natureza, e a forma como vc descreve seus encontrose suas percepções com as obras divinas. bjss!

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